Relatos de uma alma amiga

Estive ausente de mim antes de chegar aqui. Mergulhei em mares desalmados e encontrei velhos conhecidos melancólicos, excêntricos, patéticos. Percorri estradas fétidas, que ecoavam grunhidos morimbundos. Caminhei por florestas escuras e úmidas, acompanhada pelo desespero, que baforava frio em meu pescoço. Conheci o desconhecido até não ter mais o que desbravar. Minhas crenças, vãs, apodreceram, assim como tudo ao meu redor. Em um instante eu rastejava, noutro avistei um raio de luz saindo de fresta que não o cabia. Cega, cambaleei até aquele fio de esperança. Cá estou: eu em mim, outra vez. Mais uma chance.

Soneto nº 1

Das diversas dores que eu tive
As mais cruéis foram pensamentos
Contendo mentiras que mantive
Sufocando arrependimentos

Não serviram minhas artimanhas,
Refúgios de minha alma triste,
Só marcaram em minhas entranhas
A lembrança que ainda existe

Para suportar quem e o que sou
Desci ao poço mais profundo,
Na divisa com o fim do mundo

Ressurgi no lugar em que estou,
Com alma deveras calejada
E transbordando tudo que mudou.

Ela tem passo ligeiro

O que é a vida
Senão um tropeço,
Um soluço,
Um momento interrompido?
Tantos planos!
“Mas tropeçou, coitado. Quebrou, tem que engessar.”
Tantas histórias findas em lágrimas soluçadas.
“Cadê Zefinha?”
Silêncio.
Tantos “deixa para amanhã”…
Não teve amanhã.
Dona vida tem passo ligeiro, sai todo dia avoada lançando lembranças para quem quiser guardar.
Quando vê, já foi, já passou, já doeu, já curou.
Segue lá na frente Dona Vida atropelando.
“Respira, medita, vive o agora!”
“Ah! Seu moço, vai me desculpar, não dá tempo!”
Vida passa sem dó e Dona Morte leva a fama.
Não diz oi nem dá tchau.
Só passa.
Só.
Já foi.

Ser no infinitivo

Ser criança é apontar estrelas e esperar verrugas. É engolir chiclete, caroço de azeitona e choro. É pedir cosquinhas de novo, de novo, de novo… “Agora chega!” “Não! Por favor! Só mais cinco minutinhos!” É pedir cinco minutinhos a cada cinco minutinhos. Ser criança é sonhar o tempo todo acordado. É falar com anjos e ouvir respostas. É SER, bem assim, na infinitude do infinitivo.

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