
Apaixonados?
Sem compromisso.
Ela o usava.
Ele deixava: confortável.
Mas era amor.
— Amor?
Indigesto, doía o estômago.
Automedicavam-se.
— Mas e o amor?
Azia danada.
Até hoje.
Tratam com sal de fruta.
Virgular. V. T. D. Pausar; respirar; ousar; libertar; criar; pensar; SER. Verbo pronominal: virgule-se.
Apaixonados?
Sem compromisso.
Ela o usava.
Ele deixava: confortável.
Mas era amor.
— Amor?
Indigesto, doía o estômago.
Automedicavam-se.
— Mas e o amor?
Azia danada.
Até hoje.
Tratam com sal de fruta.
Era um homem recluso. Vivia entre livros, discos antigos, ressentimentos e algum saudosismo.
Ouviu a campainha. Detestava a campainha. O toque da campainha significava que ele teria que interagir, e ele não suportava interagir.
— Quem é?
— Eu.
— Quem?
— Eu! — a voz fina e infantil se irritou.
Ele abriu a porta mantendo a correntinha presa.
— B-e-a-t-r-i-z O-l-i-v-e-i-r-a M-a-c-h-a-d-o. — respondeu empertigada.
— Não tenho tempo. — o homem fechou a porta.
— TUM TUM TUM TUM TUM! — era novamente a mocinha de 5 anos, agora bem agressiva, chutando a porta.
— Vai embora! — ele grunhiu.
— Não vou até você me mostrar!
— Mostrar o quê, prirralha?
— O sorriso que você ficou de me dar.
— Nem te conheço! — respondeu com rispidez.
— Abreeeeeeeeeeeeeeeeeeee! — a pequena esganiçou.
Ele soltou a corrente ainda sem acreditar.
— Se eu sorrir você me deixa em paz? — perguntou entre os dentes, a raiva crescendo.
— Juro de dedinho.
Ele sorriu amarelo.
Ela olhou imóvel.
Ele sorriu mais um pouco.
Ela arfou impaciente, batendo o pezinho.
Isso vai longe, ele pensou. Sorriu, então, de cansaço, baixando a guarda.
— Obrigada!
A mocinha se virou e partiu.
Ele encostou a porta. Esqueceu da corrente.
Desde então, passou a dar uns passeios apressados pela vizinhança, com um discreto sorrisinho de lado.
Um calorzinho no peito ia com ele.
Nunca mais viu o pequeno anjo.
O marido voltou meio felizinho para casa e Joaquina logo se alvoroçou:
— Posso saber por que essa carinha feliz? De manhã tu tava todo esquisito, saiu que nem meu beijo deu. O que foi? Viu “passarinha verde”?
— Nada, não. Só tô alegre.
— E essa alegria tem nome?
— Sim. A-l-e-g-r-i-a. – respondeu ironizando.
— Cê tá zoando comigo, é isso?
— Sei lá, Jô. Quando eu tava no ônibus, fiquei feliz porque tava voltando mais cedo pra casa. Coisa rara!
— Raro seria se tu chegasse cedo e tivesse trazido o pão.
— Tá bem, Jô. Amanhã eu volto bem cedinho e pego a padaria abrindo, pode ser? Só não vai querer arrumar encrenca pra saber onde eu dormi. – Brincadeirinha desnecessária, na opinião desta que vos fala.
Horas depois encontraram o corpo do marido estendido no chão. Nem sinal de Joaquina.
— Lá vem ele, Marlene. Dá sinal!
— Não é o nosso mãe!
— Dá sinal, Marlene, eu tô mandando!
— Mas mã
— Porra, Marlene, no outro tem sempre assalto! Eu tô cheia de sacola! Dá sinal pra essa merda logo! Ele deixa a gente na pista, aí a gente sobe andando! – a mãe vociferou sem nem mais um pingo de paciência.
Entraram no ônibus. Marlene emburrada. A mãe, suada, chacoalhava o leque remoendo o bafo quente.
Solavanco:
— Por que parou? – Marlene gritou já se levantando.
— Quebrou! Desce todo mundo! – anunciou o cobrador, com ar de coisa corriqueira.
— Marlene, vamo pegá o primeiro que passá! – ordenou a mãe, vencida pelo cansaço.
Passou o que Marlene queria.
Duas paradas depois o malandro subiu.